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Posts Tagged ‘vaticano ii’

Gostaria de tecer alguns comentários sobre um artigo do Olavo de Carvalho, publicado no seu site na semana passada, chamado Orando com os avestruzes. Soube apenas a posteriori (graças a um outro artigo do Veritatis Splendor anteontem publicado) que as palavras “despejadas na rede” e comentadas pelo filósofo eram da autoria do Pedro Ravazzano, e foram feitas em uma lista de emails da qual o Pedro participa.

Pois bem; para não demorar-me, o artigo do Olavo apresenta, a meu ver, três problemas.

1. A patente desproporção. Como é que um artigo numa lista de emails privada à qual sabe-se lá quantas pessoas têm acesso recebe uma resposta no site do Olavo de Carvalho e no Diário do Comércio, 24 de março de 2009? Isto torna absolutamente pertinente a queixa do Ravazzano na réplica publicada pelo Veritatis: “De todo o modo, sempre é pertinente frisar que, nessa confusão, que eu caí de pára-quedas – afinal não esperava que um simples comentário fechado tomasse grandes proporções – jamais ultrajei ou ofendi o Olavo e sua família, e queria ser tratado da mesma maneira”.

2. A falsa oposição entre militância anticomunista e vida interior. Também sobre isso falou o Pedro, dizendo: “Olavo coloca como se eu tivesse feito uma integral condenação do anticomunismo militante quando, na verdade, apenas afirmei que aqueles católicos que desconheciam as condenações da Igreja ao comunismo, mas viviam em entrega a Deus e seguiam piedosamente os princípios e preceitos cristãos, tornavam-se anticomunistas naturalmente”. É perfeitamente natural – aliás, é necessário – que um católico, se bom católico, tome posição frontalmente contrária ao comunismo, mas a recíproca não é verdadeira: nada garante que um “anticomunista” torne-se ipso facto um bom católico. E simplesmente ser “anticomunista”, rasgue as vestes quem o quiser, não salva ninguém: esta é a verdade. É necessário ser católico, e bom católico – e a missão da Igreja, por evidente, é forjar católicos, e salvar as almas uma a uma.

Não é respeitoso para com a vida espiritual referir-se a ela da forma como o fez Olavo de Carvalho. Não é justo chamar as pessoas que estão sinceramente preocupadas em praticar a sua Fé de avestruzes e insinuar negligência delas no combate ao comunismo. As palavras do Olavo – p.ex., “[c]omo pode a vida religiosa ter-se prostituído a tal ponto que um fiel católico já não enxerga nada de ofensivo em acreditar que os mais de trinta milhões de mártires e combatentes cristãos sacrificados pela sanha comunista na Rússia, na Polônia, na Hungria, na China, em Cuba e um pouco por toda parte merecem apenas as nossas orações, se tanto, em vez da nossa firme disposição de correr o mesmo risco que eles correram?” – são meras hipérboles de retórica. Primeiro, porque passa a impressão de que temos todos a obrigação moral de pegarmos em armas e fazermos incursões milicianas a Cuba para derrubarmos o regime comunista, o que é gritantemente falso. Sim, os mártires são honrados, mas ninguém deve lançar-se em busca do martírio, óbvio – isso sim seria tentar a Deus. Segundo, porque todo o artigo do Olavo é baseado no boneco de palha já trazido à luz: não existe – a não ser na cabeça do Olavo – nem sombra de um “lavar as mãos” com requintes de pacifismo no discurso católico.

3. A apresentação do Vaticano II como bode expiatório. Parece brincadeira: a culpa de tudo recai nas costas do Concílio! Não sei como ainda não surgiu uma demonstração incontestável de que o aquecimento global, a crise financeira, a eleição de Barack Obama, o nobel de Saramago, os atentados de 11 de setembro e os massacres da Faixa de Gaza foram causados pelo Concílio Vaticano II. Não duvido que alguém se aventure a fazê-la. No entanto, e isso é muito de se lamentar, o Olavo presta um grande desserviço à Igreja ao vir com as acusações do tipo:

O cardeal Pallavicini ensinava que “convocar um concílio geral, exceto quando exigido pela mais absoluta necessidade, é tentar Deus”. Desde a fundação da Igreja até a década de 60 do século findo, realizaram-se vinte concílios. Nenhum deles incorreu nesse pecado. Cada um, segundo enfatizava o cardeal Manning, “foi convocado para extinguir a heresia principal ou para corrigir o mal maior da respectiva época”. O primeiro a desprezar essa exigência, e a desprezá-la não por descuido, não por um lapso, não por negligência, mas por vontade expressa e por firme decisão de seus convocantes, foi o Concílio Vaticano II.

Dada a conclusão do artigo, caberia perguntar o quê, exatamente, o Olavo tencionava com ele. Abrir, por algum motivo desconhecido do grande público, uma polêmica incompreensível com um jovem de Salvador? Inverter a importância das coisas e colocar a militância anticomunista sozinha (e não a imitação de Cristo) como o valor máximo a ser buscado nesta vida? Ou simplesmente ter um pretexto para atacar um Concílio Legítimo da Igreja Católica?

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Encontrei um pequeno texto – disponível no blog “Pacientes na Tribulação” – que se chama “O esplendor da hipocrisia” e se presta a atacar o Veritatis Splendor por um artigo sobre o Magistério da Igreja que foi publicado lá no final do mês passado. Ao terminar de ler o texto – do “Pacientes na Tribulação” -, fico com a incômoda impressão de que o seu autor incorre quase no mesmo erro de que acusa o Veritatis.

Este é acusado de falsificar os “argumentos tradicionalistas”:

Argumento Tradicional: O Magistério Ordinário pode ser rejeitado quando apresentar erros contra a Fé.

Deturpação do argumento: o Magistério Ordinário pode ser rejeitado sempre e livremente

Oras, eu não tenho procuração para defender o Veritatis Splendor, mas há dois problemas com o “argumento tradicional” da maneira como é apresentado que preciso apontar. Primeiro problema: é necessário demonstrar de maneira clara e insofismável que o Magistério Ordinário é passível de apresentar erros contra a Fé, pois esta proposição é bastante discutível (aliás, antes disso, é necessário definir precisamente o que significa “Magistério Ordinário”). Segundo problema (e este é o mais sério): concedendo que seja possível ao Magistério Ordinário apresentar erros contra a Fé, a quem compete julgar se, num situação concreta, tal coisa se observa ou não?

Às vezes, eu tenho a impressão de que alguns “tradicionalistas” comportam-se como se a existência de “erros contra a Fé” nos textos conciliares fosse uma evidência incontestável. Como se o Concílio tivesse dito expressa e inequivocamente heresias. Justamente os que acusam o Concílio de “ambigüidade”, agem no entanto como se o seu problema fosse não este, e sim o de heresias explícitas. Lembram-me um pouco alguns que se dizem agnósticos e, começando por dizer que não dá para saber se Deus existe, comportam-se contudo como se fosse certa a Sua não-existência.

Os supostos “erros contra a Fé” do Vaticano II são extremamente discutíveis. Não apenas por mim, porque a minha opinião tem bem pouca importância: os Papas – portanto, o Magistério – nunca afirmaram que houvesse erro contra a Fé no Concílio e, ao contrário, sempre corroboraram a sua ortodoxia e a sua perfeita harmonia com a Doutrina Tradicional. Se, portanto, o “argumento tradicional” diz que só se pode rejeitar o Magistério Ordinário quando este contém “erros contra a Fé”, tal argumento não justifica a rejeição do Vaticano II, posto que o Magistério da Igreja (o único intérprete autorizado do Concílio) já afirmou que este não contém erros contra a Fé.

A menos que seja possível ao leigo contradizer o Magistério da Igreja e afirmar que existem erros onde o Magistério diz que eles não existem; a menos que seja da competência de qualquer fiel julgar os textos magisteriais para discernir, por conta própria, se, neles, há erros ou não há. E, se for este o “argumento tradicional”, então a “deturpação” do Veritatis corresponde quase perfeitamente à realidade: se qualquer um pode “sempre e livremente” pegar os textos do Magistério e sentenciar por conta própria que eles contêm “erros contra a Fé”, então isso é, na prática, equivalente a dizer que qualquer um pode, sim, rejeitar sempre e livremente o Magistério Ordinário, bastando para isso proferir a sentença condenatória de heresia. Apresentando, pois, o “argumento tradicional” de uma forma abstrata e destoante da sua aplicação concreta na realidade, há pelo menos tanta “falsificação” aqui quanto na caricaturização feita pelo Veritatis.

Quanto a isso, por fim, já houve – e, aliás, ainda há – na história da Igreja uma coisa muito parecida com isso, só que ao contrário: quando da condenação do Jansenismo, alguns católicos disseram que, nos textos de Jansenius condenados, não havia heresia, a despeito dos papas afirmarem com muita clareza que, sim, havia. Existe um interessante artigo (cuja leitura vale muito a pena – procurem por The heresy of the anti-Jansenist popes) “provando” que os Papas da época cometeram heresias, ao condenar proposições que não poderiam ser condenadas (porque – óbvio, segundo eles – já aprovadas anteriormente pela Igreja). Tal artigo prova que há heresia em Inocente X, Clemente XI, e até mesmo em São Pio V (!). Note-se que é um artigo atual; há, hoje em dia, pessoas defendendo essas coisas. Estes tradicionalistas que se auto-atribuem o múnus de contradizer os papas no tocante ao Vaticano II agem, provavelmente sem o saber, com a exata mesma mentalidade dos que se permitem dizer que a condenação do jansenismo foi herética. Não acredito, ao contrário do “Pacientes na Tribulação”, que haja uma argumentação hipócrita nestes que me proponho a refutar aqui; no entanto, há – para dizer o mínimo – sem dúvidas uma excentricidade, que não é sadia e não faz bem à Igreja de Nosso Senhor.

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Aqui, faço eco àquilo que o Marcio Antonio já disse há quase um mês no “Eles não sabem o que escrevem”. Não me detenho muito em analisar o porquê das reportagens sobre as indulgências estarem erradas; o Marcio já fez isso. Há, no entanto, outra raça de gente que tem bem menos direito de errar sobre o assunto do que a mídia secular: são os hereges do Centro Apologético Cristão de Pesquisas que escreveram um artigo sobre o assunto.

Logo o subtítulo já revela a seriedade do “estudo”: Indulgência agora é gratuita. Voltou com João Paulo II e, sob Bento XVI, cresceu para varrer pecados do mundo. Três erros em uma única linha! Primeiro, indulgências sempre foram gratuitas; segundo, elas não “voltaram” com João Paulo II (porque sempre existiram); terceiro, as indulgências apagam as penas temporais dos pecados já perdoados, no máximo “varrendo”, portanto, as penas, e não os pecados em si. Eis um exemplo verdadeiramente invejável de como conseguir falsear uma notícia maximizando o número de erros por frase escrita! Tem coisas que só o CACP faz por você…

Aliás, eu tenho a impressão de que este site se baseia na mídia secular para escrever os seus artigos, porque não é possível uma tão grotesca coincidência: em certo ponto, o artigo aqui comentado diz que [o] Concílio Vaticano II (1962-1965) a aposentara [a indulgência] com a missa em latim e a dieta de carne às sextas-feiras. Permito-me citar o Marcio:

Como a missa em latim e as sextas-feiras sem carne, a indulgência foi uma das tradições separadas da prática da maioria católica nos anos 60 pelo Concílio Vaticano 2º

Não, não adianta você ir aos documentos do Vaticano II. Lá você não encontrará nada sobre acabar com a missa em latim, a abstinência das sextas-feiras (ela ainda existe, sabiam?) e as indulgências. Acho que deve haver uma regra nas redações. Se o jornalista não sabe por que algo mudou no mundo católico, coloca a culpa no Vaticano II. Hoje as casulas góticas são mais usadas? “Deve ter sido coisa do Vaticano II”, pensa o repórter. Temos padres cantores? “Humm, acho que foram incentivados pelo Concílio”, dirá ele.

Não, o Marcio não está comentando o artigo do CACP, e sim o do NYT reproduzido pela Folha. Não acredito que um erro tão absurdo quanto o acima exposto possa ter surgido, simultânea, idêntica e independentemente, em duas cabeças distintas; portanto, a única explicação plausível para o fenômeno é que os consultores teológicos do CACP são os jornais leigos como o New York Times! É uma verdadeira piada; com fontes dessas, como é que o site tem a cara de pau de pretender oferecer “apologética” na internet?!

É muita cretinice; os “apologetas” hereges do CACP manifestamente não fazem a mínima idéia daquilo sobre o que estão falando e, mesmo assim, têm a pachorra de apresentar, julgar e condenar uma doutrina cujo conteúdo lhes escapa completamente. Um mínimo de honestidade intelectual é exigido de quem pretende comentar idéias alheias; caso contrário, pode-se falar em fraude, pode-se falar em engodo, pode-se falar em empulhação, pode-se falar em mentira, pode-se falar em safadeza, pode-se falar em engano, pode-se falar em desonestidade, pode-se falar em qualquer coisa, mas – por razões óbvias – não se pode, de modo algum, falar em apologética.

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Há uns seis meses atrás, eu perguntei sobre os Estatutos do IBP, quando, cansado com a insistência de algumas pessoas em repetir ad nauseam que o Instituto havia sido criado “para criticar o Vaticano II e a Missa Nova” e blá-blá-blá, perdi a paciência e quis saber de onde havia sido tirada esta informação. Silêncio sepulcral; se o IBP havia sido erigido com este propósito, tal fato não havia sido divulgado para ninguém.

Anteontem o Fratres in Unum noticiou que foram publicados – finalmente – os Estatutos do IBP. A íntegra – em francês – pode ser aqui encontrada; é um documento relativamente curto, de cinco páginas. Nem uma palavra sobre uma suposta crítica ao Vaticano II e à Missa Nova, como é natural. E agora, como ficam os que repetiram isso à exaustão?

O Ferretti fez o enorme favor de resolver o mistério e mostrar para todo mundo qual é a fonte desta informação, em comentário que me permito reproduzir aqui:

[A] possibilidade de crítica construtiva ao Vaticano II está prevista nas “Atas de adesão” assinadas pelos Padres do IBP quando da fundação do Instituto.

“A propósito de certos pontos ensinados pelo Concílio Vaticano II ou relativos às reformas posteriores da liturgia e do direito, que nos parecem dificilmente conciliáveis com a Tradição, nos comprometemos a ter uma atitude positiva de estudo e de comunicação com a Sé Apostólica, evitando toda polêmica. Esta atitude de estudos quer participar, por uma crítica séria e construtiva, à preparação de uma interpretação autêntica por parte da Santa Sé desses pontos do ensinamento do Concílio Vaticano II, bem como de certos elementos de textos e disciplinas litúrgicas e canônicas que decorrem”.

http://blog.institutdubonpasteur.org/spip.php?article46

Convenhamos: a “crítica construtiva” do IBP, que não é estatutária, que é uma “atitude positiva” em “comunicação com a Sé Apostólica”, e ainda por cima “evitando toda polêmica”, é completamente diferente daquilo que foi por muito tempo alardeado (e diligentemente praticado) por alguns “baluartes da tradição” (esta, com ‘t’ minúsculo mesmo) que não medem esforços para – per fas et per nefas – “justificar” de alguma maneira os seus desvarios. A Verdade sempre aparece. Já disse Nosso Senhor que não há nada de oculto que não venha a ser descoberto.

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Não tive lá muito tempo disponível nos últimos dias para acompanhar os debates cá do Deus lo Vult! sobre o Concílio Vaticano II (aliás, há um debate pendente com o senhor Sandro que está na minha lista de coisas a fazer; Sandro, não se preocupe, que eu não me esqueci do senhor), o que é uma grande pena; mas há um comentário do sr. Antonio que foi feito sobre o qual eu gostaria realmente de tecer alguns comentários.

Ele começa com considerações sobre a Missa Nova, citando um texto que explica como há, no Novus Ordo Missae, “certas características de rito e de culto objetivamente coincidentes com a doutrina protestante da “Ceia do Senhor” e com a Nova Teologia — teologia não apenas reforçada pela Missa Nova, mas também gênese-inspiração de sua própria fabricação”. Gostaria de deixar este assunto de lado por enquanto, porque o problema aqui é essencialmente diferente daquele do Concílio, por diversos motivos. Basta por enquanto afirmar que a Santa Missa no rito em que é celebrada na virtual totalidade da Igreja Atual é, sem sombra de dúvidas, verdadeiro e próprio Sacrifício, é válida e lícita, nem herética e nem “heretizante”. Em outra oportunidade, volto a estes pontos, para explorá-los com mais detalhes; por enquanto, quero me debruçar sobre a questão do Concílio.

Comentei – e, aliás, mantenho – que qualquer documento magisterial, não importa o quão claro seja, infalível ou não, é passível de distorções, e citei como exemplo a Unam Sanctam (Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice), da qual se pode inferir a inexistência do Batismo de Desejo (tese condenada do pe. Jesuíta Leonard Feeney); contra isto, o sr. Antonio fez cinco ponderações, que cito abaixo:

1) O Vaticano II dá muito mais oportunidade para isso do que a Unam Sanctam; 2) Dessa bula o feeneyismo só falsamente se alimenta desvirtuando-se aquele pequeno excerto, enquanto que no Vaticano II o erro é por vezes apresentado nas autocontradições ao longo de suas páginas ou mesmo nas orações adversativas; 3) O feeneyismo, que de uma má interpretação daquela bula pode surgir, não prejudica os adeptos ignorantes desse erro tal como o faz o erro oposto do irenismo relativista, não condenado e até insinuado pelo texto e pelo espírito ecumenista do Vaticano II; 4) Ao contrário do espírito geral de compromisso e ambigüidade para fazer aprovar por vasta maioria de votos os documentos do Vaticano II, e para depois interpretar à maneira querida por muitos de seus redatores, a bula Unam Sanctam não foi escrita para, nem pensando em, o erro que depois a instrumentalizou; 5) O Vaticano II possibilita uma matiz tão mais vasta de interpretações, desde aquela dita “conservadora” (modernismo light) até aquela mais progressista, que condenar uma concede até força para as demais e também erradas interpretações, mesmo que mais brandas ou parcialmente erradas.

Ora, do exposto, segue-se que o problema do Vaticano II seria meramente de grau, e não de essência. Mantenho: quaisquer documentos católicos, infalíveis ou não, conciliares ou dos Santos Padres, das Escrituras Sagradas, do Concílio de Nicéia ao Vaticano II, são passíveis de más interpretações, e é exatamente por isso que a interpretação legítima de quaisquer textos católicos compete ao Magistério da Igreja, e não a particulares.

Com algumas das ponderações feitas dá para concordar; com outras, não. Se eu certamente concordo que o Feeneyismo “só falsamente se alimenta desvirtuando-se aquele pequeno excerto”, no entanto afirmo igualmente que o modernismo só falsamente se alimenta do Vaticano II, desvirtuando-lhe o sentido verdadeiro. A diferença de grau (que reconheço existir) pode ser muito razoavelmente creditada à extensão dos textos que o Vaticano II deixou, ou à má-intenção dos inimigos da Igreja que se apropriaram indevidamente dos documentos conciliares; não é necessário alegar uma “maldade intrínseca” do Concílio para tanto.

A quinta ponderação diz que o Concílio permite interpretações que vão “desde aquela dita “conservadora” (modernismo light) até aquela mais progressista”. Ou seja: a “faixa interpretativa” do Vaticano II seria limitada de um lado pela “heresia light” e, do outro, pela “heresia heavy”, o que é a mesma coisa que dizer que o Concílio é vere et proprie herético, pois incapaz de se prestar a uma interpretação ortodoxa! Com isso, é impossível concordar. Já afirmei aqui (e mantenho) que o Concílio é, sim, passível de descalabros interpretativos heréticos, mas também é (e, aliás, esta é a única forma na qual é lícito entender o Concílio) passível de interpretações ortodoxas. Não imagino estar sozinho nesta minha posição; também o Papa Bento XVI, no já célebre discurso de natal à Cúria Romana, afirmou claramente:

Assim podemos hoje, com gratidão, dirigir o nosso olhar ao Concílio Vaticano II: se o lemos e recebemos guiados por uma justa hermenêutica, ele pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a sempre necessária renovação da Igreja.

O Vaticano II, portanto, pode ser justamente interpretado [e adianto que a “renovação da Igreja” não tem nada a ver com a “criação de uma Nova Igreja”, posto que esta última é precisamente a interpretação condenada pelo Santo Padre poucas linhas atrás] e deve ser justamente interpretado. Outra forma de encará-lo é inútil e só pode conduzir ao erro.

Gostaria de fazer somente mais dois comentários. Primeiro, há mais um clássico exemplo de texto magisterial historicamente mal-interpretado (e que, aliás, alguns interpretam erroneamente até hoje): trata-se da liberdade religiosa. Eu trouxe aqui, no debate com o Sandro sobre este assunto, uma citação do Beato Pio IX citada por Dom Estêvão na Pergunte & Responderemos, que reproduzo mais uma vez:

O autêntico significado do pensamento de Pio IX foi formulado pelo Bispo de Orleães, Mons. Dupanloup, num escrito que, aos 26/01/1865, comentava a Encíclica Quanta Cura e o Syllabus:

“O Papa condena o indiferentismo religioso, esse absurdo que de todos os lados e em todas as tonalidades nos é incutido hoje em dia, a saber: o Evangelho ou o Alcorão, Buda ou Jesus Cristo, o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, tudo é igual… Condenar a indiferença em matéria de religião não é condenar a liberdade política dos cultos”.

Ora, Pio IX, aos 04/02/1865, respondeu elogiosamente a Mons. Dupanloup, dizendo:

“Reprovastes tais erros no sentido em que Nós mesmos os reprovamos… Estais em condições de transmitir aos vossos fiéis o nosso autêntico pensamento pelo fato mesmo de terdes refutado energicamente as interpretações errôneas do mesmo” (o texto de Pio IX encontra-se na sua íntegra latina no estudo de R. Aubert: Mgr Dupanloup et le Syllabus, em Revue d’Histoire Ecclésiastique, Louvain 51, 1956, p. 913).

[Pergunte & Responderemos, n. 516, junho de 2005, pp. 257-258]

E grifo: Condenar a indiferença em matéria de religião não é condenar a liberdade política dos cultos. Não é de hoje que o ensino da Igreja é mal-entendido; no tocante à liberdade religiosa, pelo menos desde Pio IX que ele é mal entendido! Portanto, tal prerrogativa não é exclusiva do Concílio Vaticano II. É importante mostrar o ensino católico; e não ficar no lenga-lenga de joeirar o Magistério e “pescar”, nos documentos emanados de Roma, o que é ortodoxo e o que não é.

O segundo comentário é sobre a entrevista de Dom Tissier; disse o bispo da Fraternidade, grosso modo, que, do fato de Lefebvre ter assinado os documentos conciliares, não segue que ele os tenha aceitado (!), porque num concílio todas as pessoas são obrigadas a assinar todos os documentos (in a collegial decision, even if you do not agree with the decision, you have to sign it). Como não tenho conhecimento sobre este assunto, embora ache muitíssimo estranho, vou me abster de criticar, pois isto é um ponto de somenos importância. O pior aqui é o que Dom Tissier diz depois, que vou até colocar o original em inglês ao lado da minha tradução traditora para que me corrijam se eu houver falsificado as palavras do bispo:

Mais do que à luz da Tradição, nós realmente devemos ler e interpretar o Vaticano II à luz da nova filosofia. Nós temos que ler e entender o Concílio em seu real significado, quero dizer, de acordo com a nova filosofia. Porque todos os teólogos que produziram os textos do Vaticano II estavam imbuídos da nova filosofia. Nós temos que lê-lo desta maneira, não para aceitá-lo, mas para entendê-lo como os teólogos modernos – que redigiram os documentos – o entendem. Ler o Vaticano II à luz da Tradição é não o ler corretamente.
[Rather than read Vatican II in light of Tradition, we really should read and interpret Vatican II in light of the new philosophy. We must read and understand the Council in its real meaning, that is to say, according to the new philosophy. Because all these theologians who produced the texts of Vatican II were imbued with the new philosophy. We must read it this way, not to accept it, but to understand it as the modern theologians who drafted the documents understand it. To read Vatican II in light of Tradition is not to read it correctly.]

E isso, evidentemente, não é um argumento. O Vaticano II é herético e deve ser condenado simplesmente porque é um erro interpretá-lo de maneira ortodoxa! Não importa quantas vezes o Papa diga que o Concílio não deve ser interpretado como uma ruptura. Oras, dizer que o Concílio está errado porque é a priori errado interpretá-lo do jeito certo é uma clara petitio principii. Com estes pressupostos absurdos, não existe debate teológico possível, e sim apenas uma “dissecação” dos alegados “erros conciliares”, contra os quais não cabe resposta alguma pelo simples e axiomático fato de que é errado não achar erros no Concílio.

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– Frase de Paulo VI, no blog Adversus Haereses: Quem quer que visse no Concílio [Vaticano II] um relaxamento dos compromissos anteriores da Igreja para sua fé, a sua tradição,a sua ascese, a sua caridade, o seu espírito de sacrifício e a sua adesão à palavra e à cruz de Cristo, ou ainda uma indulgente concessão à frágil e versátil mentalidade relativista de um mundo sem princípios e sem fim transcendente, a uma espécie de cristianismo mais cômodo e menos exigente, estaria cometendo um erro. Não sei qual é a referência original da frase; ela, no entanto, mostra exatamente aquilo que eu sempre tenho falado aqui com relação ao Vaticano II: aqueles que o tratam como se fosse uma ruptura com a Fé da Igreja – não importa de que lado estejam, ou o grau de importância na hierarquia eclesiástica que ocupem – simplesmente estão errados. Assim, o Santo Padre Bento XVI – gloriosamente reinante -, com o seu governo da Igreja, não está “traindo” o Vaticano II; ao contrário, o Concílio foi traído ao longo das últimas décadas e o Papa está colocando as coisas nos seus devidos lugares. Rezemos pelo Sucessor de Pedro.

– No site da FSSPX, “O Problema da Reforma Litúrgica”, uma síntese esquemática feita por Dom Williamson do livro de mesmo nome. Tem o seu valor porque a coluna da direita, chamada de “Teologia Nova”, encontra-se realmente disseminada pelo mundo “católico” e é realmente digna de atenção e censura; o problema é que esta “Teologia Nova” não é [obviamente] a teologia da Igreja Católica. Também o Rito de Paulo VI pode e deve ser celebrado com a mentalidade católica e, aliás, celebrá-lo segundo esta “Teologia Nova” é um erro. Diria até, é traí-lo, como – mutatis mutandi – interpretar o Vaticano II de maneira contrária à Fé da Igreja é uma traição ao Concílio.

– No Fratres in Unum: a humilhação do papado de Bento XVI. O Santo Padre enfrenta heroicamente – saibamos disso! – uma enorme resistência para governar a Igreja. Oremus pro Pontifice Nostro Benedicto. “Irmãos, rezemos pelo Papa. Nenhum de nós sabe o que ele deve estar passando. Dom Fellay afirmou outrora que o Papa encontra hoje uma Igreja impossível de se governar. Os reiterados pedidos de oração mostram, caríssimos, o quanto o Papa precisa de nossos clamores aos céus”. E rezemos pela humilhação dos inimigos da Igreja (que, hoje, ostentam báculos, vestem púrpura…), como na Litaniae Sanctorum: ut inimicos Sancte Ecclesiae humiliare digneris, Te rogamus, Domine, audi nos!

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O Fratres in Unum publicou os extensos comentários de Dom Fernando Rifan sobre o levantamento das excomunhões dos bispos da FSSPX. São dezoito páginas, que falam sobre assuntos os mais diversos, desde as críticas da Fraternidade quando da criação da Administração Apostólica, passando pela excomunhão de Dom Mayer, até – mais importante – as “QUESTÕES DOGMÁTICAS E ECLESIOLÓGICAS QUE O CARDEAL RICARD DISSE QUE PRECISAM SER RESOLVIDAS PARA TERMINAR O CISMA”.

Ninguém nega a existência de questões teológicas seriíssimas a serem discutidas – e com a máxima urgência – dentro da Igreja; ninguém nega que a Fé Católica é, infelizmente, muitíssimo pouco conhecida neste mundo que tem tanta necessidade do Salvador; ninguém nega que, dolorosamente, contribuem para estas estatísticas não poucos “católicos” de péssima formação. Estou particularmente convencido, no entanto, de que todas essas coisas precisam ser resolvidas do jeito certo, sem “desperdiçar munição” com questões de somenos importância e sem inventar inimigos para engrossar as já enormes fileiras dos inimigos reais contra os quais é mister combater.

Vejo muito isso quando me deparo com alguns comentários mais exaltados de certos católicos que – não tenho dúvidas! – sofrem com a situação atual da Igreja e desejam sinceramente que Ela seja exaltada. De ontem para hoje recebi um email dizendo que Dom Rifan “debandou para o lado modernista de vez”, e pensei cá com os meus botões o que raios poderia significar isso. Talvez fosse uma referência aos comentários que o Fratres publicou… mas, de qualquer modo, incomoda-me tremendamente esta visão grosseira sobre os fatos, segundo a qual são “ilicitilizadas” quaisquer posições que destoem, um mínimo que seja, da cartilha de um certo “tradicionalismo” – as aspas são aqui colocadas pelos motivos já por mim explicados – que pretende ser ele próprio a Coluna e Sustentáculo da Verdade, prescindindo da Igreja fundada por Cristo.

Não vejo necessidade alguma de que Campos e os padres da FSSPX comecem a travar uma guerra agora. Há coisas mais importantes a serem feitas. No entanto, para que tal embate improfícuo seja evitado, é necessário que alguns católicos parem de considerar posições completamente lícitas como se fossem “traições da Fé”. Em particular, remeto à carta do então cardeal Ratzinger a Mons. Lefebvre, de 23 de dezembro de 1982, reproduzida por Dom Fernando Rifan, que pede a assinatura do bispo francês para duas proposições muito simples:

1. Eu, Marcel Lefebvre, declaro minha adesão com religiosa submissão de espírito à integridade da doutrina do Concílio Vaticano II, ou seja, doutrina « enquanto se entende a luz da santa Tradição e enquanto se refere ao perene magistério da propria Igreja (cf. Joao Paulo II, Alocução ao Sacro Colégio, 5 nov. 1979, AAS LXXI (1979/15) p. 1452). Esta religiosa submissão leva em conta a qualificação teológica de cada documento, como foi estatuída pelo próprio Concílio (Notificação dada na 123a Congr. Geral, 16 nov. 1964).

2. Eu, Marcel Lefebvre, reconheço que o Missal Romano, estabelecido pelo Sumo Pontífice Paulo VI para a Igreja universal, foi promulgado pela legítima suma autoridade da Santa Sé, a quem compete na Igreja o direito da legislação litúrgica, e por isso mesmo e em si mesmo legítimo e católico. Por isso, não neguei nem negarei que as missas fielmente celebradas segundo o novo rito sejam válidas e também de nenhum modo desejaria insinuar que elas sejam heréticas ou blasfemas nem pretendo afirmar que devam ser evitadas pelos católicos.

Sinceramente, não consigo ver como tais proposições possam ser “intrinsecamente más”, para que não pudessem de modo algum ser aceitas por católicos sob pena de constituírem uma apostasia ou uma capitulação ao modernismo (muitíssimo ao contrário, não consigo ver nenhum motivo razoável para que elas não fossem, em substância, aceitas). Eu próprio subscreveria (e subscrevo) a declaração acima; e, para que se possa trabalhar eficazmente na solução da crise da Igreja, é de fundamental importância que os católicos não considerem um “modernista” ou um “apóstata” ou um “traidor da Fé” quem fizesse semelhante declaração.

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Meus caros, eu gostaria de começar esse post com uma sequência verborrágica de palavras que sem dúvida alguma passariam longe do decoro guardado neste blog durante todo este tempo. Procurando “papa” no motor de busca do site da Folha de São Paulo, encontrei a seguinte reportagem, a qual reproduzo por inteiro, com os devidos comentários em vermelho e entre colchetes:

Teólogo pede renúncia do papa após reabilitação de bispo que negou Holocausto [já começa a canalhice cedo, por dois pontos: primeiro, Williamson nunca negou o holocausto, simplesmente afirmou que os números são exagerados e questionou a existência de câmaras de gás. Segundo, o levantamento da excomunhão não tem nada, nada, nada a ver com a opinião política de quem quer que seja]

da Efe, em Berlim

O teólogo heterodoxo suíço Hans Küng pediu a renúncia do papa Bento 16 [o que diabos faz um teologozinho de meia-tigela pedindo a renúncia do Sumo Pontífice?] após o escândalo gerado pela reabilitação à Igreja Católica do bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto e recentemente teve sua excomunhão suspensa. [Agora, eu não sei o que a EFE escreveu, mas “suspender” excomunhão é o termo mais inadequado que eu já vi pra tratar do que fez o papa. A pergunta que não quer calar é o que significa, exatamente, suspender uma excomunhão? Ademais, novamente a imprensa foca todo o caso na — já falsa — acusação de que Williamson nega o holocausto (vide supra)!]

Para Küng, a reabilitação de Williamson é apenas um equívoco a mais na série de erros com os quais Bento 16 vem pondo novos obstáculos no diálogo que as Igrejas cristãs travam entrem si e com outras religiões. [quer dizer, a re-incomunhão do bispo Williamson — e não dos outros — é um erro constituinte de um novo obstáculo? E a re-incomunhão dos outros 3, não? Nem seguir o próprio pensamento o pobre consegue…]

“Primeiro, ele questionou se os protestantes formam uma Igreja. Depois, em seu infeliz discurso de Regensburg, chamou os muçulmanos de desumanos. E agora ofende os judeus permitindo o retorno à Igreja de um negador do Holocausto”, disse Küng em declarações ao jornal “Frankfurter Rundschau”. [Não há questionamento. A Congregação para a Doutrina da Fé tem um documento especificando que o nome que se dá às “igrejas” protestantes é “comunidade eclesial”. A má-fé se faz patente quando se atribui ao Papa a sua anuência ao conteúdo de uma citação, algo como se dissessem que eu estou a defender a renúncia do Papa ao publicar este excremento jornalístico travestido de reportagem! De novo, um delito canônico que tem a sua pena perdoada pelo Papa sequer tem nada que ver com judeu nenhum, quanto mais ofender alguém. A Santa Sé já repetiu ad infinitum a sua opinião sobre a Shoah…]

“É hora de substituí-lo”, acrescentou Küng, que foi companheiro do papa quando ambos eram professores de teologia católica na Universidade de Tübingen. [Claro! Afinal de contas, o papa é um jogador de futebol que não vem rendendo e incomodando a torcida, não a do seu time, não a do adversário, mas a dos torcedores do time de rugby da cidade de Jati, no Ceará! Ah! E o treinador é o sr. Küng!]

O Vaticano proibiu Küng de ensinar a teologia católica em 1980, depois que ele questionou o dogma da infalibilidade papal.

Desde então, teólogo heterodoxo suíço, que permaneceu dentro da Igreja Católica, mas sem poder atuar como padre, se dedica ao diálogo entre as religiões.

Já Williamson e outros três bispos seguidores do cismático ultraconservador Marcel Lefebvre foram reabilitados pelo papa há uma semana.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u496876.shtml

Quer dizer, a Folha já faz reportagens ruins sem ajuda de ninguém. Quando faz clipping de agências internacionais então.. Só sai besteira! Vejamos a entrevista do Hans Küng ao jornal La Repubblica, publicada pela comunistíssima ADITAL:

– Professor Küng, qual é a importância da revogação da excomunhão dos quatro bispos?

– Os significados fundamentais foram propostos pelo processo geral em curso. A questão da revogação da excomunhão dos quatro bispos, segundo minha opinião, sozinha, não é tão importante, mas tem um significado e deve ser vista e enquadrada no contexto geral de restauração. [So far, so good.]

– Qual o significado deste contexto geral e os últimos acontecimentos?

– No contexto geral os últimos acontecimentos são um sinal do contínuo enrijecimento do Vaticano, a contínua marcha para trás, a contínua sequência de passo após passo para trás. Penso em tomar uma posição mais clara sobre os acontecimentos neste contexto. Estou refletindo ainda como fazê-lo. [Enrijecimento só se for do prumo entre as colunas da Santíssima Virgem e da Eucaristia… Adivinha o que está no meio? O Papa! A marcha é, de certa forma, pra trás: é em direção à Unidade, cujo sinal visível é o próprio Pontífice!]

– Quanto é preocupante e sério este processo?

– É muito preocupante. Mas quero esperar ainda alguns dias para fazer ouvir a minha voz. [Tomara que os dias se tornem semanas, e as semanas, meses, e os meses, anos, até o fim dos séculos! Sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

– Mas quanto ao caso Williamson, fiéis e a opinião pública ainda estão chocados. O que o senhor pensa?

– Williamson é somente um aspecto do contexto geral. Não o único. Por mais que o antisemitismo seja nojento, o conjunto do desenvolvimento em curso é muito mais carregado de conseqüências. [Viram? Pelo menos não perdeu o senso das proporções!] Estamos falando de pessoas que não ainda não subscreveram a declaração sobre a liberdade religiosa e o decreto sobre os judeus (documentos do Concílio Vaticano II, nota da redação) [Na verdade, ele deixou os pontos mais sensíveis de fora… So sweet! A dureza com que os rad-trads atacam a licitude da Missa segundo o Missal de Paulo VI é, sem dúvida, uma das chagas mais profundas. Com ela, se diz que a Igreja e o seu culto máximo a Deus, Nosso Senhor, é um ato ilícito e ainda protestantizado! E ainda faltou a questão do ecumenismo. Quanto aos judeus, eu nunca tinha ouvido falar dessa, ainda mais depois de ver a entrevista de D. Fellay chamando os judeus de “irmãos mais velhos” e dizendo que o anti-semitismo não tem lugar na FSSPX no Rorate Caeli…]

– Ou seja, o problema não somente a polêmica cristãos-judeus, mas as idéias de fundo da Igreja sobre o seu lugar no mundo moderno?

– Sim. A questão é o conjunto do curso que o Papa Ratzinger desencadeou na Igreja. Sem dúvida, um percurso que volta, significativamente, para trás.

– Isso também diz respeito ao Papa Wojtyla?

– Sim. Certamente, Papa Wojtyla soube evitar alguns erros, e sabia falar melhor às pessoas. E foi ele que excomungou os bispos de Lefebvre. Eis um outro exemplo de um passo para trás. Em geral, a vontade de reconciliação com os membros da Fraternidade Sacerdotal Pio X pode ser avaliada positivamente. Mas, insisto, mas não está ainda claro que estes bispos reconhecem o Concílio Vaticano II ou que respeitam o decreto sobre a liberdade religiosa. [Está claríssimo, só Küng que não vê: apesar do Cardeal Castrillón ter dito que Fellay reconhece o Vaticano II teologicamente, é ponto pacífico que eles rejeitam uma parte do Concílio! Não há coisa mais clara. Williamson e de Mallerais não nos deixam esquecer disso!]

– O Papa vive verdadeiramente no mundo moderno, ele entende os fiéis?

– O Pontífice vive no seu mundo. Ele se afastou dos homens e, além de grandes procissões e pomposas cerimônias, não enxerga mais os problemas dos fiéis. Por exemplo, a moral sexual, a cura pessoal das almas, a contracepção. A Igreja está em crise. Espero que ele reconheça isso. [A Igreja está em crise, e claro que o Papa reconhece. Mas a dimensão da crise não tem nada a ver com o que Küng está falando. A moral sexual da Igreja, longe de ser um problema, é a solução dos problemas afetivos que assolam o mundo moderno. Acusar o papa de ter perdido de vista “a cura pessoal das almas” é um absurdo sem tamanho. Qualquer um que leu principalmente os livros-entrevista com o Papa sabe que essa afirmação é completamente gratuita e imerecida!. Sobre contracepção, bem… É tema recorrente deste blog, inclusive um texto muito bom sobre o número de filhos que Jorge publicou] Serei feliz se der passos de reconciliação também na direção dos ambientes dos fiéis progressistas, Mas Bento não está vendo que está alienando a si mesmo de grande parte da Igreja católica e da cristandade. Não vê o mundo real. Somente vê o mundo vaticano. [Quer dizer, agora Nosso Senhor Jesus Cristo, em favor da opinião do sr. Küng, deve diminuir as exigências morais feitas ao homem, porque aparentemente, para Küng, só existe um lugar no mundo em que a vida santa pode ser praticada: a Basílica de São Pedro e o seu arredor. Todo o resto deve ser fadado a uma moral canhestra, cujo conteúdo deve se adaptar aos vícios locais, haja vista ser esta a interpretação da inculturação que tem o sr. Küng! Fugir da realidade, cujo criador é o próprio Deus, é querer exigir do homem menos do que ele é capaz. É massificar a sociedade inteira! O Papa não faz mais do que a sua obrigação quando cobra dos cristãos a nobreza que é própria dos filhos de Deus redimidos pelo preciosíssimo sangue de Nosso Senhor na cruz! Faça-nos um favor, sr. Küng, por obséquio, silêncio!]

Edito: Dionísio Lisboa bem me lembrou que os tradicionalistas não negam a validade, mas a licitude da Missa Nova. Corrigido!


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Auguro que a este gesto meu [a retirada das excomunhões] siga o solícito empenho por sua [da FSSPX] parte de levar a cabo ulteriores passos necessários para chegar à plena comunhão com a Igreja, dando testemunho assim de fidelidade verdadeira e verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II.
[Bento XVI, audiência geral de quarta-feira última (28/01)]

Estas foram as palavras ditas pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI, na audiência geral da quarta-feira passada, que ensejaram as notícias que circularam no meio católico segundo as quais o Papa havia pedido aos lefebvristas que reconhecessem o Concílio Vaticano II. No dia seguinte, quinta-feira 29 de janeiro, o Rorate Caeli publicou uma notícia (aqui reproduzida) que dizia ter Dom Fellay reconhecido teologicamente o Vaticano II (segundo informações do cardeal Castrillón Hoyos). Estranhamente, não vi nenhuma repercussão mais séria sobre estas declarações que me parecem, todavia, de importância capital.

Antes de mais nada, é preciso assumir que não se tem (pelo menos eu não tenho) muito claro o que vem a ser “reconhecer teologicamente” o Vaticano II, mantendo no entanto reservas sobre alguns pontos do Concílio. Isso pode significar qualquer coisa. No entanto, tenho esperanças de que signifique algo próximo da maneira como eu próprio vejo o Concílio, que não é de modo algum “invenção minha” mas, ao contrário, é a posição mais sensata que eu observo nos meios católicos que freqüento.

Trata-se de uma coisa simples: em suma, pode ser definido como reconhecer no Concílio aquilo que ele se propõe a ser, nem mais e nem menos. Baseia-se em alguns princípios, entre os quais dois são, a meu ver, fundamentais: (a) a radical incapacidade de que a Doutrina da Igreja tenha sido “adulterada” e (b) a legitimidade da decisão da Igreja de apresentar a Doutrina Católica da maneira como ela foi apresentada. Passemos rapidamente em revista estes (no meu entender) dois princípios chaves.

Quanto ao primeiro, trata-se da atitude de se reconhecer intelectualmente, a priori, antes mesmo de se debruçar sobre os textos conciliares, que a Doutrina da Igreja não foi modificada pelo simples fato de que ela não o pode ser. Assim, o esforço intelectual passa a ser não  o de “caçar heresias” nos textos do Vaticano II (expediente muitas vezes utilizado por alguns que se pretendem defensores da Igreja), mas sim o de buscar interpretar o que foi dito na única maneira em que é lícito interpretá-lo, i.e., em plena conformidade com tudo o que foi dito anteriormente pela Esposa de Nosso Senhor. Não se trata de um debate para se saber “se o Vaticano II foi heterodoxo”; esta resposta prescinde de qualquer debate porque, por definição, um Concílio Ecumênico legítimo não pode trair a Fé da Igreja. Não adianta perder tempo com isso; deve-se ter como um axioma, como um a priori, como um princípio basilar a ser estabelecido antes de todo o resto, que o Concílio não pode ter alterado a Fé Católica Imutável. Pôr isso em dúvida é perder tempo e correr o risco de se chegar a conclusões disparatadas.

Portanto, é verdade por definição que o Vaticano II não alterou a Fé da Igreja. No meio do turbilhão de idéias heterodoxas que encontramos nos meios católicos dos nossos dias, é preciso afirmar ousadamente a Fé Católica, não admitindo que os inimigos da Igreja utilizem-se indevidamente de textos conciliares para justificar as suas loucuras. É preciso dizer que “a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica” não contradiz de nenhuma maneira a verdade anteriormente afirmada de que a Igreja de Cristo é a Igreja Católica e somente Ela; é preciso dizer que as pessoas se salvam única e exclusivamente por meio da Igreja Católica, ou pertencendo-lhe às estruturas visíveis ou à Sua “alma” nos casos de Ignorância Invencível, e que dizer que o Espírito de Cristo não se recusa servir-se das seitas e dos cismas como meios de salvação não significa de nenhuma maneira afirmar um inexistente “poder salvífico” paralelo àquele que detém a Igreja de Nosso Senhor; é preciso dizer que os “elementa ecclesiae” que possuem as seitas e cismas não lhes são próprios, sendo portanto equiparáveis aos “vestigia ecclesiae” com a diferença terminológica de que “vestígio” indica uma reminiscência de algo que já se foi um dia, não havendo propriamente “vestígio” de catolicismo em um protestante que nunca foi católico; é preciso dizer que o homem possui uma Natureza Decaída devido ao Pecado Original, e que nenhuma “semente divina” no sentido de natureza sobrenatural intrínseca é-lhe imanente; é preciso dizer que a liberdade religiosa equipara-se, para os falsos cultos, à tolerância religiosa, com a diferença terminológica de que o Estado em Si considerado não tem potestade para arbitrar entre o bom e o mau (embora tenha capacidade para reconhecer a Igreja como verdadeira) e, portanto, não “tolera” propriamente os falsos cultos (quem os tolera é a Igreja); é preciso dizer que os bispos não têm um poder colegial próprio que seja independente do Primado do Romano Pontífice; é preciso, enfim, reafirmar com ousadia tudo que é de Fé Católica e Apostólica, a despeito do que alguns “defensores do Concílio” digam. E isso pode e deve ser feito sem nenhum escrúpulo de consciência, porque não pode ser um verdadeiro defensor do Concílio quem, ao mesmo tempo, ataca a Fé de sempre da Igreja que, conforme vimos, simplesmente não pode ser modificada nem por um Concílio Ecumênico.

Quanto ao segundo princípio, trata-se da atitude de filial submissão ao Magistério da Igreja, abstendo-se a Igreja Discente de arvorar-se Igreja Docente e de criticar como intrinsecamente maus alguns textos conciliares. Trata-se, se for para dizer em duas palavras, de, primum, afirmar a possibilidade de interpretação do Vaticano II em consonância com toda a Tradição da Igreja e, secundum, afirmar a potestade da Igreja de utilizar-Se dos termos que melhor Lhe aprouver para a expressão da Verdade Revelada, por mais que eles nos pareçam inadequados ou por mais que nos pareça que termos melhores pudessem ter sido escolhidos.

Ainda que existam, de fato, termos melhores que poderiam ser aplicados e maneiras melhores de se dizerem as coisas que foram ditas, não é este o ponto. O que deve ser salvaguardada é a ortodoxia (no sentido de “existência de interpretações ortodoxas”) das coisas que foram ditas da maneira como foram ditas; isto é que é o fundamental. Aqui, trata-se de evitar a atitude de (infelizmente!) não poucos católicos segundo os quais as “ambigüidades” conciliares excluem a possibilidade de interpretação ortodoxa do Vaticano II. Deixemos por ora de lado as discussões sobre as supostas ambigüidades, sua gênese e seus remédios; não é para que neguemos a possibilidade de interpretações disparatadas do Concílio. Mas é para que não neguemos a possibilidade de interpretações ortodoxas dele.

Postas estas duas coisas de maneira muito clara, verifica-se então que a questão central das discussões com rad-trads e com modernistas simplesmente não existe, porque por definição a Fé da Igreja não pode ser modificada por um Concílio Ecumênico Legítimo. Isto nos permite montar o seguinte silogismo:

Um Concílio Ecumênico Legítimo não pode modificar a Fé da Igreja (maior);
O Concílio Vaticano II foi um Concílio Ecumênico Legítimo (menor);
Logo, o Concílio Vaticano II não pode ter modificado a Fé da Igreja (conclusão).

Outra conclusão diferente não cabe. Não faz o menor sentido discutir-se a ortodoxia do Concílio, porque tal problema é inexistente; por definição, o Concílio, se é Concílio Legítimo, é ortodoxo. Se não fosse ortodoxo, não seria Concílio Legítimo (seria algo do tipo do “latrocínio de Éfeso” ou outra coisa similar). Esta é a única maneira que eu conheço de se encarar catolicamente a crise atual. Tenho esperanças de que as declarações de mons. Fellay de que “reconhece teologicamente” o Vaticano II apontem para alguma coisa parecida com isso. Reconhecendo a radical impossibilidade de modificação da Fé da Igreja por um Concílio Ecumênico, pode-se enfim buscar a interpretação dos textos conciliares da única maneira em que é lícito interpretar-lhes: em consonância com todo o Magistério da Igreja, sem rupturas, sem “novidades”, sem heresias. Permita Deus que a FSSPX possa enveredar por este caminho, já tantas vezes apontado pelo Papa Bento XVI, única via que pode conduzir as negociações entre a Igreja e a Fraternidade a um bom termo.

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Qui non congregat cum Ecclesia, spargit.

Coloquemos a frase acima como corolário da profecia de Nosso Senhor: quem não ajunta com a Igreja, espalha. É a primeira coisa que me veio à cabeça quando terminei de ler a entrevista que Mons. Fellay deu no escopo de uma carta redigida pelo Mons. Williamson, que por sua vez comentava a decisão do Santo Padre de perdoar as excomunhões de ambos e dos outros dois bispos da Fraternidade.

O mons. Williamson — que a imprensa brasileira, canalha como sempre, deu-lhe logo o título de “bispo que nega o holocausto” — descreveu o decreto papal como um grande passo à frente para a Igreja sem que fosse uma traição da FSSPX. Reparem bem como o decreto papal, à williamsoniana, é um grande passo para a Igreja. Ele explica: o problema da Igreja, depois do Concílio Vaticano II, é a separação entre a Verdade Católica e a Autoridade Católica. A Igreja — autoridade católica — com esse decreto, estaria mais próxima  da reunião com a verdade católica. Mons. Williamson também faz questão de confrontar a tripla relação entre modernistas, tradicionalistas e papa em dois momentos. Um, anterior ao decreto de “re-comunicação” e outro posterior:

1. Papa e conciliaristas x tradicionalistas.

2. Conciliaristas x tradicionalistas, com o papa ou fora da equação ou do lado dos tradicionalistas.

O problema desse raciocínio está na oposição que o papa anteriormente ao decreto faria aos tradicionalistas. Isso não é verdade. O diagnóstico mais preciso se impera: in medio, Papa. Seja antes ou depois de qualquer decreto, o papa é o sinal visível da unidade da Igreja e não se alinha, ipso facto, com quem quer que seja, conciliarista ou tradicionalista. O dever do papa é com a Igreja de Nosso Senhor e com a salvação das almas.

Para o monsenhor, Roma precisaria ser reconstruída em muitos dias. E acusa, de fato, os — como ele chama — neo-modernistas (sem dizer quem são, é claro. Legio, quia multis sunt!) de errarem na fé. Mas, numa lógica de quem aceita caçar com gato, na falta de cachorros, o monsenhor agradece a Deus, à Virgem e ao Papa a guinada da Igreja Conciliar!

E o monsenhor responde aqueles zelosos pela super-tradição que se perguntavam, aflitos, se seria esse o momento da Fraternidade se render ao conciliarismo: “De jeito nenhum!”, garantindo apenas a participação da FSSPX em discussões, coisa que a Fraternidade já havia feito em 2000, quando levantou algumas condições. Certamente, conclui o monsenhor, as discussões não estão livres de perigo. Mas regozija-se da oportunidade de dar razão à esperança. A esperança de resgatar a Igreja do erro!

Felizmente, tal postura — embora não condenada — não é endossada pelo superior da Fraternidade, Mons. Fellay, que numa entrevista dada ao jornal suíço Le Temps, diz não ser a visão da fraternidade a impressão daquilo que falou Mons. Williamson. É verdade que, em essência, ambos guardam a mesma visão do “problema” da Igreja: sobre o “Ecumenismo” (o que eles dizem que o Vaticano II diz), a liberdade religiosa, o Novus Ordo Missae.

No entanto, o último trecho da entrevista do Mons. Fellay é que nos dá a razão da nossa esperança. Quando a repórter pergunta o que acontecerá se a negociação terminar:

“- [Fellay:] Estou confiante. Se a Igreja diz algo hoje que contradiz o que ensinava ontem, e somos forçados a aceitar esta mudança, então [a Igreja] tem de explicar a razão. Eu acredito na infalibilidade da Igreja, e acho que vamos alcançar uma solução verdadeira”.

A diferença, embora acidental, nos discursos é flagrante. Primeiro, Mons. Fellay fala da contradição da Igreja em termos condicionais. Se a Igreja diz algo hoje que contradiz o que ensinava ontem. E se não diz? O espírito do debate também é o mais excelso e altaneiro: alcançar uma solução verdadeira, porque a Verdade é o que deve prevalecer no debate. Não vir a Roma corrigi-la, mas para alcançar a Verdade. Se Mons. Fellay condiciona a Verdade  da solução — como bom católico que é — à infabilidade da Igreja e diz que a “autoridade católica”, para usar a expressão de Williamson contradiz o que a Igreja dizia, então houve uma ruptura no Magistério. Pela ruptura, é que se dá o descompasso entre “verdade” e “autoridade”. Se não há — como sabemos — ruptura alguma, se o Magistério autêntico é, subsiste e continuará a ser o Magistério da Igreja, ininterrupto ao longo de 265 pontificados, então a Fraternidade poderá unir-se às fileiras do Exército do Senhor Jesus sem reservas, sob o manto da Santíssima Virgem e o cajado do Santo Padre Bento XVI — Deus o quer! Deus lo vult!

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