[Texto anterior: A cultura atéia]
O agnóstico ateu
Como já foi colocado, uma coisa é não saber que Deus existe; outra, bem diferente, é saber que Deus não existe. O agnóstico pode afirmar a primeira; a segunda, no entanto, afirma-a o ateu. Se o agnóstico pode alegar em sua defesa a ausência de provas da existência de Deus, o ateu, no entanto, para embasar a sua afirmação peremptória, precisaria prová-la. A questão que se coloca, por conseguinte, é: como provar que Deus não existe?
Não dá para provar que Deus não existe. Desconheço até mesmo qualquer tentativa atéia de fazê-lo: todas as justificativas dos ateus para mostrar como é “racional” a sua posição resumem-se a [tentar] refutar os argumentos em favor da existência de Deus. Ora, em boa lógica, todo mundo sabe que a refutação de um argumento é somente a refutação do argumento, e não da tese; Schopenhauer até elenca entre os estratagemas da sua dialética erística [cf. “Como vencer um debate sem precisar ter razão”] um que consiste em tomar a prova de uma certa coisa por esta coisa em si. Em poucas palavras: “refutar” um argumento que se proponha a demonstrar a existência de Deus não é a mesma coisa de refutar a existência de Deus. Isso é claro. Mas muitos ateus não o percebem ou, se o percebem, agem como se não houvesse uma grande diferença entre uma coisa e outra.
Tomemos um agnóstico: um sujeito que se abstém de decidir pela existência ou inexistência de Deus, por considerar que não é possível saber se é verdade uma coisa ou a outra. Aceitemos – vá lá! – que uma mente aleijada graças ao envenenamento pela cultura descristianizada da qual falávamos anteriormente seja, de fato, incapaz de saber que Deus existe. O que ele deve fazer? A resposta correta para este dilema foi enunciada de maneira lapidar pela famosa “aposta de Pascal”: se não dá para saber se Deus existe e se, entre as duas posições a serem tomadas, uma delas fica entre ganhar tudo (caso esteja certa) e não perder nada (caso esteja errada) e, a outra, entre não perder nada (caso esteja certa) e perder tudo (caso esteja errada), é muito mais razoável “apostar” pela primeira, isso é, que Deus existe. Nós fazemos isso o tempo todo nas nossas vidas: ninguém tira órgãos para transplante de alguém que não se sabe se está morto, ninguém contrata um engenheiro que não se sabe se é formado em engenharia, ninguém liga um aparelho eletrônico de 110v em uma tomada que não se sabe se é 110v ou 220v, etc. É também famoso o princípio do Direito que diz que, na dúvida, deve-se decidir a favor do réu: in dubio pro reo. Ora, se nessas coisas mais simples a prudência manda optar por aquilo que vai causar o maior bem e/ou evitar o maior mal, mesmo que não se tenha certeza, por que motivo haveríamos de agir diferente quando a nossa incerteza é sobre uma coisa tão crucial quanto a existência de Deus?
Um agnóstico razoável, portanto, deveria acreditar que Deus existe, mesmo que estivesse convencido da impossibilidade de demonstrá-lo. Só que eu nunca vi um agnóstico agir dessa maneira: todos eles agem como se Deus não existisse, comportando-se na prática como se fossem realmente ateus. O ateísmo é uma escolha muito séria, que não pode deixar margem para dúvidas – lembremo-nos de Pascal. Portanto, um ateu que tenha consciência do que está fazendo precisa estar certo de que Deus não existe, sob pena de estar correndo um risco que ninguém em sã consciência ousaria correr. Dado, contudo, que não dá para demonstrar a inexistência de Deus, existe uma pergunta que não quer calar: de onde vem a certeza dos ateus?
Espantar-nos-ia constatar que ela não vem de lugar nenhum? É mera crença, que se impõe ao intelecto sem necessidade de demonstrações. Mera crença, que pode ter diversas explicações – desde a confusão acima mencionada entre a refutação da demonstração e a da tese, passando por problemas morais à aceitação da idéia de que existe um Deus, até puro preconceito, incompreensão do problema da existência do mal ou outros obstáculos intelectuais, etc. -, mas nunca razões verdadeiras. Aliás, diga-se de passagem, ao contrário da Fé, que sempre pode aduzir razões em seu favor…
Temos, portanto, que os “argumentos” em desfavor da existência de Deus poderiam conduzir no máximo ao agnosticismo, mas nunca ao ateísmo. Não obstante, vemos o tempo inteiro ateus encherem o peito para explicarem a sua opção por caminhos que a ela não conduzem de nenhuma maneira! Não se passa do agnosticismo ao ateísmo sem ser por meio de uma crença gratuita e irracional. Não deixa de ser irônico que todo o edifício construído pelos paladinos das luzes contra o obscurantismo medieval esteja assentado sobre bases tão frágeis como estas.
eu não sou ateu, mas gostaria de ver quais são as bases lógicas para que os Cristãos possam afirmar que logo o vosso Deus 9uma colagem de diversos Deuses) existe por si só.
Caro Jorge,
não sou ateu mas entendo perfeitamente o que pensam. É fácil numa sociedade como a nossa. Quando pergunta e responde “de onde vem a certeza dos ateus? Espantar-nos-ia constatar que ela não vem de lugar nenhum? É mera crença…”
É a mesma crença que os católicos ou islâmicos ou israelitas tem na sua religião: nada mais do que crença. Sei que isso vai além da sua compreensão mas é o que acontece.
Um abraço,
Johnny.
Entrei para comentar e já vi o comentado.
A “certeza” do ateu é a mesma dos religiosos.
Diferentemente de johnny as vezes sou ateu, as vezes agnóstico, as vezes sou católico apostólico romano, as vezes sou niilista…
Cada um deve ser livre para com sua crença.
Ser ateu não livra e nem traz mais sofrimento ou felicidade.
A existência de deus é livre de escolha.
A mente humana é muito excitante. Maravilhosa.
Jorge você escreve muito bem.
Você não é um religioso tão delirante igual aos outros.
1. Você falou em transplante….Eu gostaria de saber ate onde a alma do ser humano encontra-se com ele?
O consagrado, o que vai ao céu é a alma?
Ate onde podemos sabe se ela ainda esta em nos?
2. Podemos saber como os outros animais do universo “percebem” a existência divina.
3 É possível compreender a existência divina sem ser racional?
Desejo um bom fim de semana a todos.
Fiquem em paz.
Sou um simples pecador que não deseja queimar no inferno.
Caro Rafael,
Você se dirige ao Jorge, mas tomo a liberdade de fazer alguns comentários.
Antes de tudo, se você realmente “não deseja queimar no inferno”, deixe de ser ateu, agnóstico ou niilista. Seja apenas católico apostólico romano. Do contrário, vai sim, arder no inferno. Pois o inferno foi feito justamente para os ateus, agnósticos e niilistas. E também para todos os pecadores (mesmo católicos) que não se arrependem dos pecados nem na hora da morte.
Comento agora outros pontos de sua mensagem:
1. “Cada um deve ser livre para com sua crença.”
Claro que ninguém pode ser fisicamente coagido a entrar e permanecer numa religião. Mas, por outro lado, Deus não deu essa liberdade a ninguém. Pelo contrário, ele deixou apenas UMA religião e mandou que todos aderissem a ela, sob pena de eterna condenação.
2. “Ser ateu não livra e nem traz mais sofrimento ou felicidade.”
Depende do que você entende por felicidade. Claro que os bens materiais (saúde, dinheiro, prestígio, etc.) são distribuídos neste mundo independentemente do critério religioso. Normalmente os ateus e inimigos da religião, NESTE MUNDO, são até mais beneficiados neste quesito.
Mas não tenha dúvidas: estar na posse da verdade é a única felicidade que realmente devemos almejar nesta vida. Depois, na outra vida, o ter sido ateu certamente trará consequências terríveis. E eternas…
3. “A existência de deus é livre de escolha.”
Acho que você quis dizer que a existência de Deus é de livre escolha. Mas não é, não. A todos Deus deu a inteligência para ser usada de forma reta. Qualquer pessoa pode, então, racionalmente, concluir que Deus existe. A não ser que ele queira, a priori, por ato da vontade, que Deus não exista. Mas colocar a vontade acima da razão e até contra a razão não é uma decisão… racional.
4. “Você [Jorge] não é um religioso tão delirante igual aos outros.”
Delírio maior é negar a existência de Deus, contra a própria razão, mesmo com tantas evidências ao redor.
5. “Você falou em transplante….Eu gostaria de saber ate onde a alma do ser humano encontra-se com ele?”
Até a hora da morte.
6. “o que vai ao céu é a alma?”
Sim. O corpo, normalmente, vai para a sepultura.
7. “Ate onde podemos sabe se ela ainda esta em nos?”
Não sou teólogo, mas creio que enquanto a pessoa estiver viva (respiração, batimentos cardíacos etc.) a alma ainda está unida ao corpo, pois é justamente a alma que vivifica o corpo. É ela, portanto, que permite os sinais vitais naquele corpo ao qual está unida e que não quer deixar, pois se trata de uma união substancial. Quando os órgãos vitais deixam de funcionar, a alma abandona aquele corpo e é, então, imediatamente levada à presença de Deus. Ali ela é julgada e mandada para o céu, para o inferno ou para o purgatório, sem possibilidade de apelação.
8. “Podemos saber como os outros animais do universo “percebem” a existência divina.”
Os outros animais não percebem a existência divina, pois não têm inteligência. Eles apenas seguem, infalivelmente e instintivamente, a vontado do Deus que os criou. Aliás, essa é uma das provas da existência de Deus. Pois um ser não dotado de inteligência não pode agir com finalidade nenhuma. Mas os animais irracionais sempre agem da mesma forma, postas determinadas condições. Logo, seguem uma finalidade que não foi posta por eles nem por nenhuma pessoa. Portanto, seguem uma finalidade produzida pela vontade divina. Logo, Deus existe.
9. “É possível compreender a existência
divina sem ser racional?”
Não. Para compreender qualquer coisa é preciso ser racional. Mas uma pessoa pode de fato não compreender as provas racionais da existência de Deus. Neste caso, ela deve crer em Deus pela fé, isto é, pelo argumento de autoridade. Vou lhe dar um exemplo que eu li em algum livro. É fato histórico indiscutível que doze homens converteram o império romano, derramando seu sangue para isso. Ora, para conseguirem essa proeza, foi preciso inúmeros milagres (que são intervenções diretas de Deus no mundo). Logo, Deus existe. Mas se alguém questionasse a veracidade desses milagres, teria que admitir que o império romano foi convertido, contra sua vontade, pela simples pregação de alguns farsantes obstinados. E este seria, sem dúvida alguma, um milagre maior ainda.
Desejo a você que recupere urgentemente a fé em Deus e que fique, daqui em diante, apenas católico.
Um abraço.
Carlos.
Muito obrigado caro Carlos.
Já que me respondeste antes mesmo do autor. Estou mais esclarecido.
Espero que este blog não seja apenas uma fonte de informação sem retorno eminente.
Ou com intuito de satisfação pessoas ou unicamente dotado de cunho religioso sem evangelização.
Jorge fique em paz, continue sempre escrevendo.
Deus guie sua fé, textos e pensamentos.
Que Deus escute suas preces e desejos.
Continuarei por estas linhas.
Sou um simles pecador.
“Mas os animais irracionais sempre agem da mesma forma, postas determinadas condições. Logo, seguem uma finalidade que não foi posta por eles nem por nenhuma pessoa. Portanto, seguem uma finalidade produzida pela vontade divina.”
Carlos, esse seu argumento é o mesmo que foi utilizado para justificar a segregação e a escravidão a que negros, índios e demais grupos humanos “inferiores” foram submetidos ao longo dos tempos.
Jorge,
Pô! A aposta de Pascal é batida demais! Estava gostando dessa sua série sobre ateísmo, mas você começou a cair nuns chavões e lugares-comuns absurdos!
A opção religiosa não é livre de ônus. Ela demanda tempo, privações e, muitas vezes, dinheiro. Ao longo de toda uma vida, isso invalida o fraquíssimo argumento da aposta de Pascal.
Além disso, presumo que um Deus supostamente onisciente não ficaria exatamente satisfeito com o mecanismo empregado para a crença nesse caso.
Tenho debatido – via web – com não poucos ateus nos últimos anos e percebi, nitidamente, que para muitos ateus nada mais lhes indigna do que afirmar que eles têm fé (ou crença) na não existência de Deus.
Há, a meu ver, um verdadeiro bloqueio psicológico – penso até mesmo que seja algum trauma – para tudo aquilo que signifique fé ou crença para eles…
O ateísmo só se justifica racionalmente como… ato de fé.
Prefiro ficar com Deus.
Blog Mallmall,
Sobre o argumento de que os animais irracionais sempre agem da mesma forma, postas determinadas condições (o que provaria que seguem a vontade divina) você opõe o seguinte:
“Carlos, esse seu argumento é o mesmo que foi utilizado para justificar a segregação e a escravidão a que negros, índios e demais grupos humanos “inferiores” foram submetidos ao longo dos tempos.”
Sinceramente, não entendi.
Os negros e os índios não são, ontologicamente falando, grupos humanos “inferiores”. Ambos possuem inteligência e liberdade. Logo, compará-los aos animais irracionais, como você está fazendo, é um absurdo completo.
Se alguém, algum dia, considerou os negros e os índios como seres inferiores e, com base nesse raciocínio, os escravizou e segregou, esse tal cometeu um pecado. A Igreja sempre protegeu os índios, tanto é que desde o descobrimento da América puniu com excomunhão quem os reduzisse à condição escrava. Quanto aos negros, se a Igreja tolerou por algum tempo (mas sempre combatendo) a escravidão, foi porque já eram escravos na África, onde a Igreja não tinha nenhuma influência ou poder. Assim,
caso viessem para um país católico, poderiam ao menos receber instrução, sacramentos e a salvação de suas almas. Sem falar que a escravidão pagã era infinitamente mais brutal que a existente nos países católicos. Logo, por mais paradoxal que isso possa parecer, era mais benéfico ao negro escravo estar aqui no Brasil, por exemplo, do que na África. Veja o caso do Obama. Seus ancestrais vieram para a América como escravos e agora ele virou presidente dos EUA. Se não tivessem vindo, é bem possível que o Obama (que é péssimo, diga-se de passagem), estivesse lá no Quênia mendigando alguma coisa.
Um abraço.
Carlos.
Blog Mallmal comentou: “A aposta de Pascal é batida demais!”
Tanto mentiras como verdades podem ser “batidas demais”. Uma verdade (elemento da Verdade) não deixar de ser verdade por ser “batida demais”.
Blog Mallmal comentou: “A opção religiosa não é livre de ônus. Ela demanda tempo, privações e, muitas vezes, dinheiro. Ao longo de toda uma vida, isso invalida o fraquíssimo argumento da aposta de Pascal.”
Naquela aposta “tudo” e “nada” não tem significados superficiais como esses…
Blog Mallmal continuou: “Além disso, presumo que um Deus supostamente onisciente não ficaria exatamente satisfeito com o mecanismo empregado para a crença nesse caso.”
Esse mesmo Deus onisciente é também Justiça e Misericórdia… e Sua satisfação não pode ser obtida por nossos méritos. Foi necessário um sacrifício de valor infinito!
Não sei como alguém que é sincero consigo mesmo pode se rotular “agnóstico”. Ora! É claro que ele tem um diagnóstico… seja qual for, ele tem algum.