Já faz algum tempo que vem sendo noticiado, no meio católico, que o Santo Padre Bento XVI estaria para levantar a excomunhão na qual incorreu Dom Marcel Lefebvre quando sagrou quatro bispos sem mandato pontifício há vinte anos. Nos últimos dias, no entanto, os rumores se intensificaram e, segundo o Fratres in Unum (reproduzindo Andrea Tornielli), já está consumado. A qualquer momento, será tornado público o histórico decreto.
É necessário fazer algumas precisões. Em primeiro lugar, é diferente “retirar as excomunhões” de “declarar a nulidade das excomunhões”; no primeiro caso, era uma pena canônica válida mais que foi retirada e, no segundo, uma pena canônica inválida (e os bispos excomungados nunca estiveram realmente excomungados). Não se sabe ainda qual é, exatamente, o teor do decreto. Pelo que comentam por aí, a FSSPX quer não quer simplesmente a retirada, e sim a declaração de nulidade. Esperemos e rezemos pelas negociações.
No entanto, o que foi publicado pelo Andrea Tornielli foi que o Papa havia assinado o decreto con cui (…) ha deciso di cancellare la scomunica comminata ai quattro nuovi vescovi ordinati da monsignor Lefebvre nel 1988. “Cancellare” é pouco preciso e não deixa saber o quê, exatamente, o Papa fará (ou já fez…); no entanto, a excomunhão cancelada é aquela aplicada sobre os quatro bispos atualmente vivos, ordenados em 1988, e não sobre Dom Lefebvre e Dom Antonio de Castro Mayer (os bispos ordenantes), já falecidos.
Vale salientar que, como lembrou muito bem um amigo, não se tem muito claro o que pode significar a “retirada”, propriamente dita, de uma excomunhão sobre alguém que já está falecido. O Papa não tem jurisdição sobre o outro mundo; a resposta à 82º tese de Lutero (Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas –, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?) é muito simples: simplesmente porque o Papa não tem jurisdição para “decretar” o esvaziamento do Purgatório, sendo a redenção das almas que lá estão realizada pelas boas obras dos fiéis católicos (no caso criticado por Lutero, as doações), e não por um decreto papal. Não é o “funestíssimo dinheiro” em si que redime as almas; e sim a obra de caridade dos fiéis de fazerem uma doação. O Papa não pode “esvaziar o Purgatório”. O que ele pode fazer é conceder indulgências (ou, melhor dizendo, “obras indulgenciadas”) para serem lucradas pelos fiéis defuntos.
Não sei portanto qual o sentido (e, aliás, nem sei se é possível) retirar, post-mortem, uma pena canônica. A própria morte já se encarrega de fazer com que elas não tenham mais razão de ser. Talvez exatamente por isso, o Tornielli fale somente sobre a retirada das excomunhões que (ainda) pesam sobre os quatro bispos vivos. Resta, no entanto, ainda uma dúvida: se o decreto, ao invés de retirar estas excomunhões, declará-las nulas, mesmo que o “alvo” do decreto seja somente os bispos vivos, ele estaria, ipso facto, atingindo também os dois bispos já falecidos, pois a nulidade da excomunhão dos ordenados implicaria igualmente na nulidade da excomunhão dos ordenantes [*].
Declarar a nulidade das excomunhões de 1988 seria dizer que João Paulo II errou em um ato de governo (pois o motu proprio Ecclesia Dei diz taxativamente que Lefebvre e os quatro bispos “incorreram na grave pena da excomunhão prevista pela disciplina eclesiástica”). Não há nada de escandaloso ou de absurdo nisso; atos de governo são atos de governo, sobre os quais não faz nem mesmo sentido falar em “infalibilidade”, estando esta circunscrita à autoridade magisterial da Igreja sobre assuntos referentes à Fé e à Moral. Não obstante, não muda o fato de que tais atos, emanados pela autoridade legítima, devem ser acatados, cabendo sem dúvidas recursos e negociações (o que não é possível, p.ex., na definição de um dogma), mas não sendo passíveis de mera desobediência unilateral.
Vale, por fim, frisar que, independente de qual seja o teor do histórico decreto (que rezamos para que seja tornado público o quanto antes), ele de maneira alguma significa referendar em sua totalidade as posições tomadas pela FSSPX, em particular no tocante ao Concílio Vaticano II e ao Novus Ordo Missae. Já antevendo o que pode advir desta retirada de excomunhões, importa deixar logo dito de maneira bem clara que o decreto significa somente o que vier decretado e nada mais. Como, mutatis mutandis, a aprovação pontifícia dos estatutos da Canção Nova não significa, de nenhuma maneira, um apoio irrestrito às práticas dos carismáticos, também este decreto que devemos conhecer muito em breve não significa “de per si” um apoio irrestrito a todas as teses da Fraternidade. Rezemos pelo Santo Padre, a fim de que esta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos possa dar frutos, e as ovelhas desgarradas possam retornar ao redil, cum Petro et sub Petro, fora do qual nenhuma Unidade é possível.
Já imagina essa retórica neo-conservadora. Já imagino também os argumentos veritatianos.
Mas de qualquer forma, foi uma boa observação feita nesta postagem.
Jorge,
Não creio que se possa ter certeza disso.
Para incorrer em excomunhão precisa-se considerar o pleno conhecimento e o deliberado consentimento. Pode ser que o tal decreto considere que estas duas prerrogativas existiam apenas nos ordenantes, isentando os ordenados da pena. É, eu sei que seria algo bem improvável e até estranho, mas, não seria de todo impossível vir algo deste tipo dito EXPRESSAMENTE no decreto.
Abraços,
em Cristo,
Pacheco.
Pacheco,
De fato, salvo melhor juízo, nada impede que tal condição esdrúxula seja levada em consideração. Se o decreto contiver tal ressalva expressamente, então julgo ser possível, sim, que se decida pela nulidade da excomunhão dos quatro bispos ordenados, mas não pela dos dois bispos ordenantes.
Obrigado por lembrar a hipótese.
Abraços,
Jorge
Claudemir,
Sua tese é, na teoria, bem estranha e improvável, como até mesmo reconheceu. Na prática, ela carece de mínima evidência. Na verdade, as evidências que temos são muito contrárias a isso. Os bispos sagrados, enquanto padres ou seminaristas, foram todos formados em Econe ou lá conviveram por longos anos em formação. Já fazem 21 anos desde as sagrações, submetidos a tantas teses e explicações, internas e externas à fraternidade, que poderiam reformar suas convicções e isso não ocorreu. Claro, pode-se conjecturar que ainda não lhes teria chegado o momento. Seria, então, um decreto papal, por mais autoridade que tenha, que, positivamente lhes imputando uma insuficiência de conhecimento ou um não deliberado consentimento, iria ensejar essa mudança de posicionamento? Soa-me muito esquisito mudar a ordem natural das coisas. E se assim julgassem poder inferir dos bispos sagrados, por que não também dos sagrantes?
Penso, portanto, que se o decreto vir a levantar as penas de excomunhão somente dos bispos sagrados, será alegando um ato de clemência. Mas tal ato demanda ou uma mudança de comportamento dos “réus” ou um reconhecimento da autoridade, pelo menos implícito, de que o delito cometido não guarda proporcionalidade com a pena. Ora, a primeira possibilidade não nos é nada evidente. Continuam a considerar suas sagrações lícitas em razão do estado alegado estado de necessidade, a ordenar padres e até, em assunto correlato, a afirmar as mesmíssimas coisas a respeito da reforma litúrgica e do Vaticano II. Na segunda possibilidade, ainda que a culpa não lhes seja totalmente removida, mas apenas atenuada, seria o reconhecimento de que o remédio da excomunhão não lhes era devido, portanto, nulo desde o princípio. Fica, nesse caso, difícil não estender essa conclusão aos bispos sagrantes.
Jorge,
A própria história creio que desmancha esta hipótese.
Claro que posso estar enganado em meu juízo, mas o fato é que as negociações foram intensíssimas, e comandadas pelo proprio Cardeal Ratzinger, inclusive houve varias manchetes em jornais. Todos, dentro e fora da Igreja, tinham plena ciencia do qu estava ocorrendo.
Inclusive, D. Lebfreve ignorou um apelo dramático de Joao Paulo II, de junho de 88. NO final do mesmo mês, houve as consagrações episcopais.
A hipótese é possivel, mas parece-me muito remota pela análise dos fatos.
Abraços.
Caro Jorge,
Penso que, para os quatro bispos sagrados, retirar as excomunhões ou declará-las nulas têm, na prática, quase as mesmas implicações. Claro, no primeiro caso, o acento seria na clemência; no segundo, na justiça. Mas ambos revelam uma combinação desses dois aspectos, tal como o é o motu proprio da Missa Gregoriana, que reconheceu a contínua licitude do uso do Missal de 1962 desde sua edição (ou seja, um reconhecimento do justo direito a seu uso), exortando também caridade e tolerância aos bispos na facilitação de seu uso concreto.
Vou mais além dizendo até que não só no plano prático mas também na própria compreensão da invalidade da declaração da excomunhão, levantar-lhes a excomunhão alegando misericórdia ou bem maior sem qualquer mudança de postura ou reconhecimento de vício daquelas sagrações por parte dos bispos sagrados (o que é evidente) é dizer-lhes, no mínimo, que seus delitos não mereciam tal pena. Portanto, um reconhecimento menos explícito da injustiça e, mesmo que tadiamente, nulidade daquelas mesmas excomunhões. E assim sendo, nula a pena daquele ato de ser sagrado bispo, nula também a de seus sagrantes.
No caso de uma possível e explícita declaração de nulidade de todas as seis excomunhões, não acho que Roma pode estar referendando posição alguma da fraternidade. Nem parece a fraternidade esperar isso. Ela qualifica a reabilitação universal da Missa Gregoriana e o levantamento das excomunhões como pré-condições para uma discussão teológica franca a respeito, agora sim, desses temas. Em outras palavras, atendidas essas pré-condições, a fraternidade não parece esperar de ínicio o acatamento imediato e extraordinário de todas as suas teses, mas o diálogo a respeito das mesmas.
Nada que se devesse coerentemente ser temido ou evitado por parte de uma hierarquia que dialoga teologicamente com protestantes, budistas, maometanos e com os quais chega até redigir e assinar documentos, em sede de muitos dos quais não se exige nem se insinua conversão alguma, mas apenas um relatório dos pontos em comum. Por que processo semelhante não poderia se dar com padres católicos cujas excomunhões e/ou cismas são muito discutíveis (para não dizer reconhecidamente inexistentes), e cujas divergências doutrinárias são, ou pelo menos deveriam ser, um tanto menores que aquelas com os cismáticos e hereges protestantes?
Abraço,
Antonio
Independente do fato de : se as referidas excomunhões foram válidas ou não, e de se o termo exato seria : retirada ou nulidade das excomunhões, devemos ficar felizes com mais esse passo do nosso amado Papa em direçao a uma reconciliação com a FSSPX, e consequentemente com os Católicos Tradicionalistas como nós, depois da liberação da Santa Missa Tridentina. Eu creio que, por ele, ele já teria feito mais , no sentido de restaurar a Igreja , após os erros espalhados pelo mundo pelo Concílio Vaticano II. Um Concílio que oficializou tudo aquilo que os Concílios e os Papas anteriores haviam condenado. Mas sabemos que o Vaticano está cheio de inimigos da Igreja e que lá é uma máfia, que não quer que a Igreja volte a ser a verdadeira Igreja de Jesus Cristo que era antes do famigerado Concílio Vaticano II. E o Papa,às vezes se vê de mãos atadas para fazer o que ele realmente quer fazer. Muitos de seus acessores lhe tolhem a liberdade para agir. Devemos é rezar muito pelo Papa. Nao é segredo para ninguém que uma parte do Terceiro Segredo de Fátima ainda não foi revelada, e que dizia respeito justamente à auto-demolição da Igreja por membros da Hierarquia da própria Igreja. Mas devemos confiar que no fim, o Imaculado Coração de Maria triunfará e a Igreja voltará a ser como antes. Espero estar vivo para ver. Da minha parte não aguento mais ver esses Padres e Bispos do Brasil transformando a Missa num Show e exaltando o ser humano acima de Deus. O humanismo impera na Igreja do Brasil. Deixam Deus de lado e exaltam o povo durante as Missas. Quando isso vai acabar,só Deus sabe. A nós, só nos resta rezar.